Tanto o local quanto a
época do ano eram propícios a furacões mas, a semana já estava no penúltimo dia
de mergulho e felizmente encontramos condições excelentes até a noite passada,
amanhã é dia de naufrágio e seria fundamental se o tempo permanece com toda
essa calmaria. O Austin Smith repousa aos 18 metros de profundidade em uma
região distante de qualquer formação de recifes, que possam impedir as forças
da natureza sacudirem a superfície. Hoje o céu aqui nas Bahamas amanheceu
timidamente encoberto e a velocidade do vento que sopra contra nossa embarcação
já havia aumentado consideravelmente, e junto com as forças dos ventos, as
águas também se cansam daquela tranquilidade e fazem sua parte neste novo
cenário, junto com os ventos que insistem em nos fazer lembrar que este lugar é
destinado aos furacões.
Não é apenas a
superfície que fica agitada pelas águas, as correntezas e a tranquilidades de
nós mergulhadores que descemos com enormes equipamentos fotográficos
subaquáticos também ficam agitados conforme a superfície. Algumas ondas já
invadem o deck inferior e o tempo agarrado ao cabo guia na espera dos demais
mergulhadores já não tão confortável. Mas a visibilidade ainda continua muito
boa e já aos poucos metros de profundidade é possível apreciar a lancha de 27
metros que descansa naquele fundo desde 1995. A região de ilhas das Bahamas
conhecida como Exuma fica bem sul da capita Nassau. Um lugar com uma variante
de temperatura da água entre 24°C e 31°C entre o inverno e o verão
respectivamente e, uma visibilidade que pode ir dos 10 ao 30 metros, dependendo
muito de como estão as condições climáticas da região.
E se pensar na vida
marinha encontrada naquele arrecife artificial por natureza é de uma variedade
tão impressionante quando a mudança climática que acabávamos de vivenciar. Mas,
uma vida em específica me despertou ainda mais o interesse em poder chegar o
quanto antes aquele ponto pouco profundo. Um tubarão da espécie Caribenho de
arrecife que habita naquela região não tem a nadadeira dorsal, pelo menos pelas
explicações dada pelo guia local, não se sabe ao certo se foi mais uma vítima
de caçados de barbatanas de tubarão para sustentar o comercio asiático ou se
esse animal foi mutilado em alguma briga ou até mesmo no acasalamento entre a
própria espécie. Certamente seria uma sensação única poder encarar de perto um
sobrevivente, poder imaginar o que passou, ter a certeza que sua vida esteve
por alguns instante em risco. Tão logo fomos nos aproximando do naufrágio, um
pequeno cardume de tubarões foi ao nosso encontro para averiguar o que seríamos
e tão rápido apareceram, também foram se perdendo no profundo azul e, entre
esse grupo de curiosos e simpáticos tubarões, estava aquele que é exemplo vivo
da vida marinha. Nossas atenções também estariam divididas entres eles e tudo
mais que o lugar nos oferecia. Uma simples embarcação aos olhos de quem buscava
por imagens e história, não aparentava ser assim tão simples.
Peixes Leão faziam os
porões um lugar perfeito para moradia, as moreias preferiam ficar sob a
proteção do casco. Alguns meros e garoupas por terem a certeza que não são
presas fáceis nadavam livremente entre a proa e a popa. Alguns grandes enormes
caranguejos que só havia visto no aquário em Durban e nos programas da Discovery. Um naufrágio incomparavelmente
mais simples que o grande Umbria em águas sudanesas, mas o Austin Smith faz a
sua história valer o mergulho com os instantes que se passa ao seu lado. Esse
tubarão mutilado, os grandes caranguejos, o cardume de pequeninos peixes que
acreditavam estar vivendo na segurança dos porões mas, mal sabiam que os
exóticos leões que dividiam o mesmo espaço eram seus principais predadores. Um
lugar aparentemente simples e de necessidade única, é preciso que além do poder
que o equipamento fotográfico tem de gravar a imagem, é necessário que chegue
aquele lugar com a imaginação além do pequeno limite do lugar.
E com uso desta
imaginação que me atentei ao simples fato que viria a se confirmar durante a
noite. Logo que iniciamos a subida, em função da força das águas que corriam
ainda mais, alguns de nós procuramos usar o cabo que apoitava nossa embarcação
como cabo guia de volta. Mas, o vento havia aumentado sua pressa, a superfície
estava ainda mais agitada e o live abord sofria cada vez mais a força dos
ventos. Mesmo o cabo sendo muito grosso e praticamente impossível de
arrebentar, a força exercida sobre ele era muito grande e nitidamente havia a
sensação que a qualquer instante ele poderia não aguentar e estourar. Não
queria sentir esta forte “chicotada” em meio um mar distante, a alguns metros
de profundidade e ainda ao meio de uma água que corria só deus sabe para onde.
Achei por bem me distanciar e chegar a superfície independente daquele cabo.
Batia, não era atoa que o cabo estava zunindo toda aquela força, o mar havia
virado, a tripulação já apresentava uma certa apreensão e a dificuldade para
entrar no barco já não era tão simples. O vento soprava forte, a superfície
deslizava rapidamente para trás, o deck inferior sofria cada vez mais com as
ondas e a embarcação subia e descia com a mesma intensidade que o vento
castigava. É ora de ter calma e controle, saber o momento exato, não há espaço
para erro e tão pouco para o desespero.
Um bom banho quente, um
café forte e um merecido descanso faz valer o mergulho de hoje, ah apenas uma
cervejinha bem gelada para completar. Zarpamos em busca de um ponto para
passarmos a noite, ancoramos as margens de um pequeno recife ainda na mesma
região, ancoras em proa e popa, vento forte entrado pela frente e a lua nos dá
como presente uma noite iluminada e de poucas probabilidades de chuvas.
Apreciando a noite se fixar cada vez mais, algum blues tocando dividia meus
ouvidos com assovio cada vez mais forte do vento que não cessava, foi quando os
meus pensamento de cedo se concretizaram, o cabo da ancora de partiu e como uma
folha solta ao vento a embarcação exigiu de toda experiência de sua tripulação.
Quando me sinto perdido em algum lugar desses mares, prefiro ficar de pé firme
em meus pensamentos, maior do que o prazer de poder ir, é saber que terei a
oportunidade de voltar ao mesmo lugar, mesmo que seja em meus simples textos.
Austin Smith é um lugar único.