Shark finning. Ou seja, barbatana de tubarão. Por causa da irracionalidade de muitos homens, tubarões de todo planeta estão desaparecendo drasticamente. Aos leitores que acompanham meu blog, gostaria de informar que esta matéria NÃO foi feita por mim. Foi uma matéria publicada na Revista Mergulho no mês de outubro de 2011 e gentilmente cedida pela Daniela Maximo, editora chefe da revista. Uma matéria com as assinaturas dos grandes especialistas no assunto, o Gabriel Ganme e o Marcelo Szpilman. E todas as fotos que estão publicadas nesta postagem foram imagens adquiridas no SHUTTERSTOCK.
Peço que leiam e divulgem ao máximo, para que em futuro breve consigamos acabar com esse ato criminal contra a natureza. Já mergulhei com diversos tubarões, inclusive em meio a um frenesi alimentar, sem qualquer tipo de proteção. Tubarões não precisam morrer, tubarões não são perigosos. Meu próximo passo será o Grande Tubarão Branco.
Por que os TUBARÕES estão desaparecendo dos oceanos.
Por Gabriel Ganme e Marcelo Szpilman
Em quantos mergulhos você, leitor, encontrou tantos tubarões assim? |
Kadu Pinheiro |
Muito se fala sobre a prática do finning, mas poucos sabem quando essa crendice surgiu e como ela evoluiu a ponto de ameaçar a sobrevivência de dezenas de espécies de tubarões ao redor do Planeta. Para combater essa sandice perversa, é preciso conhecê-la.
A Origem do Consumo de Nadadeiras de Tubarão
Durante a Dinastia Sung, entre 960 e 1279, um pequeno grupo da elite chinesa começou a consumir uma espécie de macarrão gelatinoso feito a partir da cartilagem das nadadeiras de tubarão e o prato ficou conhecido como “sopa de barbatana de tubarão”. Seu consumo e comercialização mantiveram-se restritos até a dinastia Ming, no século XV, quando um almirante chinês, chamado Cheng Ho, na volta de uma viagem à África, trouxe centenas de quilos de nadadeiras de tubarão que os africanos descartavam em favor da carne. A sopa de barbatana de tubarão ganhou então popularidade e tornou-se um prato muito oferecido nos banquetes formais da elite dominante durante toda a Dinastia Ming.
Quando o Partido Comunista Chinês assumiu o poder em 1949, com Mao Tsé-Tung, a sopa de barbatana de tubarão, sendo uma iguaria apreciada por elites, tornou-se politicamente incorreta durante toda a Revolução Cultural. A desaprovação de seu consumo fez com que o prato ficasse meio esquecido no tempo. Porém, de forma a poder consumi-la dissociando o aspecto elitista, a sopa de barbatana de tubarão passou a ser apregoada como um prato afrodisíaco e tornou-se mais uma dentre as inúmeras aberrações predatórias e criminosas que vemos ao redor do mundo, especialmente no Oriente, como a crença irracional de que partes de animais possam trazer benefícios à saúde do homem ou curar suas doenças. Ainda assim, seu consumo manteve-se relativamente restrito ao mercado “terapêutico”.
A Explosão do Consumo
Tudo mudou no final da década de 1980, quando Deng Xiaoping instituiu reformas econômicas e mudanças culturais que geraram uma nova classe média e uma nova classe alta na China. E essa nova elite passou a buscar maneiras e símbolos de exibir sua riqueza e seu status. Comprar arte (incluindo as peças produzidas pela filha de Deng) foi um caminho. Consumir e oferecer sopa de barbatana de tubarão foi outro meio. A iguaria foi reabilitada, tornou-se um refinado prato da culinária chinesa e seu consumo deu a essa nova elite o sentimento de fazer parte da nova aristocracia chinesa.
Com a globalização e o forte crescimento econômico chinês, em cerca de 10 anos mais de 300 milhões de chineses prosperaram e ascenderam ao grupo dos ávidos por mostrar seu novo status. Assim, a sopa de barbatana de tubarão passou a ser um prato obrigatório na China em quase todas as grandes recepções e banquetes e nas refeições de negócios importantes. O mercado chinês de barbatanas explodiu e a demanda por nadadeiras de tubarão cresceu dramaticamente.
Depois de terem as nadadeiras cortadas, os tubarões são jogados de volta ao mar para morrerem lentamente. É assim no Brasil e no mundo todo. |
O Finning
A pesca de tubarão, praticada há milênios, sempre foi uma atividade lícita e as nadadeiras eram apenas mais um dos itens a serem aproveitados e comercializados. Um cação de porte médio fornece cerca de 5% a 8% de nadadeiras, 35% de filé, 13% de fígado (rico em óleos, contendo as Vitaminas A e D), 9% de pele (utilizada na confecção de artigos de couro) e 35% de resíduos (transformados principalmente em farinha de peixe para a ração de cães e gatos).
A partir dos anos 1990, para suprir a forte demanda do lucrativo comércio mundial de barbatanas de tubarão, as nadadeiras passaram a ser o objetivo principal e único desse tipo de pesca. Começou aí o que se denomina Finning, a pesca ilegal para obtenção exclusiva das nadadeiras dos tubarões, uma das mais cruéis e perturbadoras perseguições realizadas pelo ser humano. Mesmo que essas nadadeiras fossem diretamente para o prato de crianças famintas, seria um total despropósito. Mas não é para isso que são ceifadas.
Parte do problema advém de dois fatores que se conjugam com a ganância humana: a carne das espécies cujas nadadeiras são muito valorizadas, como os martelos e azuis, alcançam preços baixos no mercado e as embarcações de pesca têm limites físicos de armazenagem. Como a indústria pesqueira obtém em torno de US$ 50.00 por quilo de nadadeira seca ao sol contra US$ 1.50 por quilo da carne de tubarão, que deve ser processada e refrigerada adequadamente no porão da embarcação, fica fácil entender porque o pescador, ao capturar um tubarão, prefere cortar fora suas nadadeiras e atirar seu corpo de volta ao mar. Muitas vezes vivo, mas mortalmente aleijado, o animal afunda para morrer sangrando, comido por outros peixes ou para apodrecer no leito do mar.
Um bom exemplo vem do biólogo e pescador Sergio Jordão, dono da Fisherman do Brasil, indústria de transformação de peixes e frutos do mar, que trabalhava com a carne do tubarão-azul e há quase um ano parou em função do finning. Segundo ele, que acha uma absurdo “a galha valer mais do que o cação”, um “jogo completo” de nadadeiras (1 dorsal, 2 peitorais, 1 anal e 1 caudal inferior) de um tubarão-azul de 40 kg pesa aproximadamente 3,5 kg, que o pescador vende ao atravessador por R$ 75,00/kg. Ou seja, recebe R$ 265,00 pelas nadadeiras, enquanto o “charuto” (corpo sem cabeça e nadadeiras) poderia lhe render no máximo R$ 90,00 (30 kg x R$ 3,00).
Não se tem um número preciso da quantidade de tubarões-azuis capturados em nossas águas, mas nas costas do Havaí o tubarão-azul desaparece ao ritmo de 50 mil animais por ano, capturados exclusivamente por suas nadadeiras. Nos mercados asiáticos, onde o quilo de barbatana do tubarão-azul pode atingir US$ 120.00, a sopa de barbatana de tubarão é vendida nos restaurantes finos, como em Hong Kong, por até US$ 150.00 o prato.
Envolvidos hoje nesse “grande negócio”, atendendo à demanda crescente por barbatanas, cerca de 120 países, incluindo o Brasil, matam 70 milhões de tubarões por ano em todos os oceanos. Espanha, Portugal, Reino Unido e França estão entre as nações TOP 20 responsáveis por 80% da captura global de tubarões. Somente os barcos espanhóis são responsáveis pelo suprimento de 25% das barbatanas vendidas em Hong Kong. Para se ter uma ideia do tamanho dessa demanda, somando-se aos 300 milhões de chineses das classes média e alta, mais de 500 mil chineses já são considerados milionários. E esse grupo enorme de consumidores de sopa de barbatana de tubarão cresce ao ritmo de 10% ao ano.
A famosa e insossa sopa de barbatana de tubarão, grande responsável pelo extermínio desses animais dos oceânos. |
Os Impactos do Finning
Tubarões são mortos para obtenção de suas barbatanas que são vendidas secas no mercado asiático como iguaria. |
A pesca para obtenção das barbatanas de tubarão é uma ação predatória progressiva, constante e silenciosa. É insustentável e está ameaçando seriamente a sobrevivência das populações de tubarões __ 43% das espécies de tubarões em nosso litoral já estão ameaçadas de extinção. Se nada for feito, dezenas de espécies, cujas populações declinaram em até 90% nos últimos 20 anos, estarão extintas nas próximas décadas.
Significa dizer que em pouco tempo não haverá mais tubarões “produzindo” nadadeiras. Já está mais do que na hora de reavaliar como estamos usando os escassos recursos marinhos para satisfazer nossas necessidades e desejos. Apesar de grandiosos, os oceanos não suportam mais nossos hábitos tradicionais de consumo. Estamos exaurindo as fontes e levando os mares ao limite da sustentabilidade para diversas populações de animais.
A sociedade e nossos governantes precisam entender que os tubarões têm um valor intangível para a Natureza e para os seres humanos. Eles exercem um papel crucial na manutenção da saúde e do equilíbrio da vida nos mares. Sem esses guardiões dos oceanos, teremos um ambiente doente e frágil e os decorrentes desequilíbrios nos ecossistemas marinhos serão imprevisíveis e catastróficos para a humanidade. Mas o valor dos tubarões vivos vai além da questão puramente ecológica ou emocional.
Alternativas Econômicas ao Finning
Um recente estudo australiano demonstrou que, ao longo de sua vida, os tubarões do arquipélago de Palau (que tem legislação banindo o shark finning de suas águas) trazem, por ano, US$ 18 milhões para o turismo de mergulho com tubarões e representam ainda US$ 2 milhões para economia da pequena nação. Ou seja, considerando o aspecto puramente financeiro, um tubarão mantido vivo pode valer milhares de vezes mais do que um tubarão morto. Não é mais concebível que os tubarões acabem futilmente em uma tigela de sopa de barbatana. Temos que rever a forma como aproveitamos economicamente esses “recursos” maravilhosos para não cairmos num buraco sem volta.
A Comprovação do Finning no Brasil
Um recente estudo realizado na Universidade New Southeastern, na Flórida (EUA), analisou o material genético de 177 tubarões-martelo da costa brasileira, do Caribe, do Golfo do México e dos oceanos Pacífico e Índico e confrontou os dados com o DNA de 62 nadadeiras de tubarões da mesma espécie à venda em Hong Kong __ um dos maiores mercados no mundo onde a barbatana de tubarão pode custar até US$ 700 o quilo. O estudo concluiu que 21% das nadadeiras vinham do Oceano Atlântico Ocidental, área que inclui o Brasil. Ou seja, existem pescadores no Brasil participando da pesca ilegal e do tráfico de barbatanas de tubarão.
Legislações e Iniciativas contra o Finning
Brasil – A Portaria do Ibama nº 121/1998 proíbe a rejeição ao mar das carcaças de tubarões dos quais tenham sido removidas as barbatanas e somente permite o transporte a bordo ou o desembarque de barbatanas em proporção equivalente ao peso das carcaças retidas ou desembarcadas. Para efeito de comprovação dessa proporcionalidade, o peso total das barbatanas não pode exceder a 5% do peso total das carcaças. Nos desembarques, todas as carcaças e barbatanas de tubarões devem ser pesadas. Nota: a legislação é boa, mas de difícil emprego, controle e fiscalização.
Estados Unidos – O Congresso americano aprovou em dezembro de 2010 uma nova legislação exigindo que todos os tubarões capturados legalmente em águas norte-americanas devem ser desembarcados com suas nadadeiras íntegras e no corpo do animal. Nota: essa legislação é muito boa e pragmática e serviu de exemplo para nossa campanha.
Hawaii – No início de 2010, o Estado do Hawaii, com o objetivo de banir a sopa de barbatana de tubarão, aprovou uma lei proibindo a posse, venda, comércio e distribuição de barbatanas de tubarão, em 2011 a Califórnia fez o mesmo.
Washington – Em maio de 2011, a governadora do Estado de Washington (EUA) assinou uma lei proibindo o comércio de barbatanas de tubarão.
Bahamas – No início de julho de 2011, o governo das Bahamas aprovou uma lei banindo o shark finning de suas águas e proibindo o comércio e exportação de produtos de tubarão. O Arquipélago se juntou a Honduras, Maldivas e Palau, que já têm legislação semelhante.
Como vimos, alguns países, como os Estados Unidos, baniram inicialmente o shark finning, e evoluíram suas leis, proibindo atualmente o comércio de qualquer derivado de barbatanas de tubarão. Entretanto e especialmente em diversos países asiáticos, a prática corre solta. Um exemplo foi a polêmica causada na Disneylândia de Hong Kong, que servia barbatanas de tubarão nas festas e nos seus restaurantes, o que foi banido depois da intensa pressão da mídia e das ONGs. No Brasil, o finning é proibido, mas a comercialização das barbatanas não, o que dificulta qualquer ação. A verdade é que faltam recursos para patrulhar nossas águas e os pontos de desembarque da pesca, e não parece haver muita vontade política para tal.
TUBALHAU, UM CONTRASSENSO EM FERNANDO DE NORONHA
O Arquipélago de Fernando de Noronha é uma região especial, um
paraíso brasileiro com o título de Patrimônio Mundial Natural
concedido pela UNESCO. Dividido em duas unidades de conservação, um
Parque Nacional Marinho e uma Área de Proteção Ambiental, Fernando
de Noronha é um dos poucos lugares no Brasil onde todos os turistas
pagam uma Taxa de Preservação Ambiental. Tudo isso para assegurar a
proteção e preservação das espécies vegetais e animais,
terrestres e marinhas, o que inclui os tubarões.
Em Noronha, é possível, entre diversas outras atrações pode-se conhecer
o Museu do Tubarão, que apresenta suas estruturas, hábitos e
características e está localizado numa enseada onde pequenos
tubarões podem ser observados nos horários de maré cheia. Para
completar o passeio, uma lojinha vende suvenires onde o tema principal
não poderia ser outro senão o tubarão. Tudo muito interessante e
operado pelo mesmo grupo responsável pelo restaurante (ao lado do
museu) cuja especialidade é o TUBALHAU, um bolinho de carne de
tubarão salgada. O cardápio traz também a Tubalhoada e o Tuba
Burger.
Ainda que eles aleguem que a carne do tubarão venha de fora da
ilha, apesar da grande placa que anuncia o tubalhau como sendo o“bacalhau de Fernando de Noronha dizer o contrário __ “pescado e
processado artesanalmente em Fernando de Noronha”__, é um enorme
contrassenso. As mesmas pessoas que proporcionam e incentivam o
conhecimento e a desmitificação dos tubarões, e que tocam
operações dependentes de sua existência (e sobrevivência), são as
mesmas que proporcionam e incentivam o consumo dos tubarões.
É importante esclarecer que não há proibição legal para pescar
e consumir tubarões. E a questão aqui tratada não é sobre
posicionamento a favor ou contra. A questão é sobre oportunismo. As
operações de esclarecimento e aproximação dos tubarões, que
deveriam objetivar sua proteção e conservação nas águas de
Fernando de Noronha, nada mais são do que chamarizes que conluem para
um negócio que tem nos consumidores desavisados seu grande público.
concedido pela UNESCO. Dividido em duas unidades de conservação, um
Parque Nacional Marinho e uma Área de Proteção Ambiental, Fernando
de Noronha é um dos poucos lugares no Brasil onde todos os turistas
pagam uma Taxa de Preservação Ambiental. Tudo isso para assegurar a
proteção e preservação das espécies vegetais e animais,
terrestres e marinhas, o que inclui os tubarões.
Em Noronha, é possível, entre diversas outras atrações pode-se conhecer
o Museu do Tubarão, que apresenta suas estruturas, hábitos e
características e está localizado numa enseada onde pequenos
tubarões podem ser observados nos horários de maré cheia. Para
completar o passeio, uma lojinha vende suvenires onde o tema principal
não poderia ser outro senão o tubarão. Tudo muito interessante e
operado pelo mesmo grupo responsável pelo restaurante (ao lado do
museu) cuja especialidade é o TUBALHAU, um bolinho de carne de
tubarão salgada. O cardápio traz também a Tubalhoada e o Tuba
Burger.
Ainda que eles aleguem que a carne do tubarão venha de fora da
ilha, apesar da grande placa que anuncia o tubalhau como sendo o“bacalhau de Fernando de Noronha dizer o contrário __ “pescado e
processado artesanalmente em Fernando de Noronha”__, é um enorme
contrassenso. As mesmas pessoas que proporcionam e incentivam o
conhecimento e a desmitificação dos tubarões, e que tocam
operações dependentes de sua existência (e sobrevivência), são as
mesmas que proporcionam e incentivam o consumo dos tubarões.
É importante esclarecer que não há proibição legal para pescar
e consumir tubarões. E a questão aqui tratada não é sobre
posicionamento a favor ou contra. A questão é sobre oportunismo. As
operações de esclarecimento e aproximação dos tubarões, que
deveriam objetivar sua proteção e conservação nas águas de
Fernando de Noronha, nada mais são do que chamarizes que conluem para
um negócio que tem nos consumidores desavisados seu grande público.
Diversos documentéarios, como Shark Waters, da Sea Shepard, tentam sensibilizar-nos da importância do tubarão no equilíbrio dos oceanos, mas pouca gente parece escutar. Os mergulhadores poderiam fazer sua parte, deixando de frequentar locais que sirvam derivados e barbatanas de tubarões. Muitas vezes uma orientação ao dono do restaurante é suficiente, outras, é tempo perdido.
Fisgados, arpoados, cortados e vendidos. Assim terminam nossos tubarões. |
Comprovada a extinção de uma espécie de tubarão no litoral brasileiro
O arquipélago de São Pedro e São Paulo é um lugar fantástico, intocado e cheio de tubarões. O nome é inspirador, mas o tamanho do local não. As ilhotas não chegam a ter mais do que 130 metros quadrados de área seca e distam mais de 600 quilômetros de Fernando de Noronha, e cerca de 1000 quilômetros do continente. Chegar neste paraíso não é tarefa fácil. De veleiro, a viagem dura cerca de 50 horas a partir de Fernando de Noronha, apesar das águas calmas e ventos favoráveis.
O esforço parece ser compensador, principalmente pela possibilidade do encontro com tubarões-baleia e cardumes de tubarões-martelo.
Quando estivemos por lá há 10 anos, não conseguimos encontrar nenhum martelo, apesar de diversas pessoas terem sua existência. Por três dias seguidos, tudo o que vimos foram algumas raias do gênero móbula, que ficavam na popa do veleiro ancorado contra a corrente.
Na segunda noite, constatamos a triste realidade e descobrimos por que não conseguíamos encontrar tubarões-martelo: um barco pesqueiro, que por lá estava, pescava os martelos que se aventuravam a comer os peixes-voadores atraídos pelas luzes do barco. Logo após sua captura, cortavam as nadadeiras (barbatanas) e devolviam os pobres tubarões ao mar para uma asfixia e morte agonizante.
Nossa vontade era de ir embora daquele lugar, mas não era possível. Então, exploramos o arquipélago inteiro de baixo da água __ bom, o inteiro significa “lado de dentro” e “lado de fora”, onde, além de encontrar um tubarão lombo-preto em profundidade, avistamos no nosso último mergulho, um filhote de tubarão-baleia, de cerca de 3 metros, que pousou para nossas imagens, e diminuindo a agonia e tristeza dos fatos.
Mas para nossa tristeza e, acredito, para muitos também, no trabalho recém-publicado no jornal Biological Conservation, Osmar Luiz Jr e Edwards Alasdair, que realizam pesquisas sobre a ecologia dos peixes do Arquipélago de São Pedro e São Paulo, comprovaram a extinção de uma população de tubarões-das-Galápagos no Arquipélago.
A situação no arquipélago é temerária, como descreve o biólogo Osmar Luiz Jr. em um breve resumo do problema:
a) Tubarões sempre existiram em grande abundância no Arquipélago de São Pedro e São Paulo, cuja excepcional quantidade foi notavelmente registrada por navegadores e exploradores durante mais de 150 anos, incluindo Charles Darwin durante sua viagem no HMS Beagle. A impressão geral é de que os tubarões ocorriam no Arquipélago em quantidades extraordinárias, segundo relatos de viajantes experientes e acostumados a vida no mar. A espécie de tubarão foi identificada como sendo o Tubarão-das-Galápagos (Carcharhinus galapagensis) em uma das últimas expedições em que esta espécie foi avistada.
Homem exibe "mercadoria" recém-pescada a um provável comprador. |
ABSURDO! O grande tubarão-branco, consciderado os Senhores dos Mares, é tratado com indiferença e total falta de respeito pela indústria pesqueira. |
O Arquipélago é um ponto de referência histórico nas navegações que cruzavam o Atlântico no passado. Por conta disso, vários exploradores e navegadores possuem relatos em seus diários sobre o local. Uma das coisas que mais chama a atenção nestes relatos é a descrição de quantidades absurdas de tubarões. Estes tubarões foram identificados posteriormente como Carcharhinus galapagensis e como a população principal do Arquipélago. Outras espécies podem ocorrer esporadicamente por lá, como o tubarão-baleia e o tubarão-martelo, mas são só de passagem. População residente mesmo só a de Carcharhinus galapagensis, que não existe mais, e a de Carcharhinus falciformis (Lombo-preto), que era vista no Arquipélago até 1993 e agora também pode ser considerada extinta funcionalmente (não exerce mais sua função ecológica), pois as únicas avistagens são exemplares de mar aberto capturados pelos barcos de pesca.
b) Após o estabelecimento da estação de pesquisa em 1998 pela marinha do Brasil, o monitoramento ambiental no Arquipélago foi iniciado de maneira continuada, porém em mais de 10 anos de visitas, incluindo 13 expedições especialmente realizadas para o levantamento da fauna de peixes do local, nunca mais se viu um Tubarão-das-Galápagos por lá.
c) Análises estatísticas aplicadas à quantidade, e a disposição dos registros históricos associados às observações realizadas na última década, dão suporte à conclusão de que o Tubarão-das-Galápagos foi extinto no Arquipélago. Um fato que certamente deixariam surpresos os navegadores do passado que lá estiveram e viram milhares destes animais ao redor das ilhas. Estas análises também sinalizam que o início do declínio populacional dos tubarões "coincide" com o início da pesca comercial no Arquipélago, provendo um forte indício de que a pesca teve um papel fundamental neste processo.
d) Duas conclusões principais emergem deste estudo: 1. Em menos de quatro décadas, a pesca comercial no Arquipélago de São Pedro e São Paulo conseguiu levar à extinção uma espécie que era extremamente abundante durante quase dois séculos. Esse fato vem sendo deliberadamente ignorado por quem defende a pesca no Arquipélago como sustentável. 2. Este estudo demonstra a importância de se incorporar registros históricos em avaliações de impactos humanos em ambientes marinhos. Se todo o nosso conhecimento sobre a fauna do Arquipélago de São Pedro e São Paulo fosse baseada apenas nas pesquisas iniciadas após o estabelecimento da estação científica, estaríamos correndo o risco de concluir que estes tubarões nunca teriam existido no local. Este foi o primeiro estudo a utilizar esta análise, chamada de "ecologia histórica", aplicada a conservação marinha no Brasil. Muito mais ainda precisa ser feito.
Este estudo serve para confirmar cientificamente aquilo que o Projeto Tubarões no Brasil vem alardeando: a sobrepesca e a pesca predatória dos tubarões, incluindo o finning, estão acabando com as populações de tubarões ao redor do Planeta. Os tubarões exercem um papel crucial na manutenção da saúde e do equilíbrio da vida nos mares. Sem esses guardiões dos oceanos, teremos um ambiente doente e frágil e os decorrentes desequilíbrios nos ecossistemas marinhos serão imprevisíveis e catastróficos para a humanidade.